Antes do O. nascer, li várias coisas sobre violência obstétrica, os impessoais padrões hospitalares, a “indústria da cesárea” no Brasil. Cheguei a escrever sobre isso no post Normal ou cesariano: a pressão social sobre o tipo de parto, no qual “reclamei” da pressão (e da culpa) que sofri por não fazer parto natural. Até então, eu não havia idealizado o momento do parto, não estava tão preocupada com isso e não tinha grandes implicâncias em relação à cesárea. Mas depois, no post Minha experiência com o parto cesariano, reconheci que a cirurgia foi, para mim, muito pior que o esperado. Futuramente escreverei sobre isso de novo. Hoje, quero falar sobre os tais “impessoais padrões hospitalares”, que até defendi vez ou outra, em nome da ciência e da segurança sanitária.
Pois bem: mais do que no parto, me senti agredida, invadida e desrespeitada nas menos de 48 horas que passei com meu bebê no hospital, no pós-parto. Não, não aconteceu nada fora do previsto. Não tivemos qualquer complicação ou dificuldade. Mas, mesmo assim, chorei de desespero. Ok, naquele chororô havia uma grande parcela do “baque hormonal” que toda mulher enfrenta após o parto. Mas sofri também com a falta de um atendimento um “pouquinho” mais personalizado, mais cuidadoso, mais dedicado, das enfermeiras e médicos.
Vamos à história: ganhei o O. em um hospital particular, relativamente bem conceituado, pelas mãos do meu obstetra, numa cirurgia cesariana. O pós-operatório foi uma correria, porque estávamos só eu e o meu marido. Eu não podia levantar a cabeça ou me movimentar e só tinha ele, meu marido – surpreso e apavorado –, para ajudar o O. em suas primeiras mamadas. Ninguém nos explicou o que viria em seguida, ninguém nos ajudou com um mínimo de paciência. Simplesmente nos deixaram num canto, enquanto meu marido ajudava o neném com a “pega” no seio. Nem eu e nem ele sabíamos se era assim ou assado, se estava tudo correndo bem. Eu sequer conseguia enxergar, por causa da posição, e o papai sequer tinha se preparado para ser tão “ativo” nesse momento. Além disso, meu marido era chamado o tempo todo para resolver coisas burocráticas (receber a chave do quarto, assinar papéis e coisas do gênero). O coitado ficou exausto com a correria de lá pra cá e daqui pra lá, além da carga emocional do momento.
Mas o pior veio depois, quando estávamos no quarto. Exaustos, tentando descansar, e a cada 30 minutos alguém entrava fazendo muito barulho, falando alto, no celular. Acordavam a todos, inclusive o neném. De meia em meia hora vinha uma enfermeira, parecendo um robô, perguntando “Você defecou? O bebê mamou nos dois peitos?”. Cada visita dessas demorava menos de um minuto. E não, eu não tinha defecado e o bebê não tinha mamado nos dois peitos. Uma amiga havia me aconselhado a, enquanto estivesse no hospital, aproveitar a experiência das enfermeiras para me ajudar na amamentação. Lá pelas tantas, resolvi pedir ajuda, porque o O. só fazia a “pega” no seio direito. Uma enfermeira apressada veio me atender. Em 30 segundos, apertou meu mamilo, disse que eu tinha pouco colostro e foi procurar uma prescrição de fórmula (sim, ela queria dar uma mamadeira de leite artificial para o meu bebê nascido há menos de 12 horas). Por sorte, eu havia conversado previamente com um pediatra que me alertou sobre esse tipo de conduta “preguiçosa” de enfermeiras que não querem perder tempo com você. Dão logo a fórmula e está tudo resolvido. Não deixei que ela desse nada a ele...
Depois desse momento, senti que estava desamparada. Estava com dor, chateada, preocupada (claro!), insegura e... solitária. E as visitas da enfermagem continuavam a cada meia hora: “E aí? Você já defecou? O bebê mamou? Nos dois peitos?”, “Você já defecou? O bebê mamou nos dois peitos?”. Aquilo parecia uma pressão sem fim sobre a minha cabeça, como se fosse tudo uma grande incompetência minha. Eu só queria ir pra casa e cuidar do meu filho em paz... Aí uma amiga que havia ganhado bebê no mesmo hospital me contou que, se essas duas coisas não acontecessem, eu não teria alta no tempo previsto. Fiquei desesperada, porque eu ainda não havia feito cocô e o O. continuava mamando corretamente apenas no seio direito. Passei a segunda noite andando pelos corredores e chorando. Parecia que estava aprisionada naquele lugar, que nunca mais sairia dali. Eu só queria ir embora.
E as enfermeiras continuavam “Defecou? Mamou? Nos dois peitos?”. Uma delas pegou o O. como se fosse um boneco qualquer e arrancou-lhe as roupas para ver se, com frio, ele mamava melhor. Outra colocou na minha mão um supositório de glicerina para que eu mesma aplicasse. Sim, eu mesma. Eu, que tinha tido sete camadas do meu abdômen rasgadas, estava costurada, enfaixada, inchada, machucada. Não tive coragem de pedir que ela me ajudasse... Sem contar o pessoal da limpeza, batendo vassoura e alça de balde dentro do quarto, sem nenhum cuidado. Foi aí que tomei uma decisão séria (e até irresponsável): resolvi que só conseguiria superar os obstáculos (ir ao banheiro com calma e aprender a amamentar meu filho) num ambiente favorável, que definitivamente não era aquele, então comecei a mentir. A cada “fiscalização” das enfermeiras, passei a responder: “Sim, eu defequei. Sim, ele mama nos dois peitos”. “Sim, eu defequei. Sim, ele mama nos dois peitos”.
Até que chegou o momento de os médicos avaliarem o O. para lhe dar alta. O primeiro veio fazer o exame de audição e perguntou aonde estava a chupeta. Eu disse, chocada, que o bebê não havia ganhado uma chupeta. Então o médico disse, contrariado, que precisava que o O. ficasse em silêncio durante o exame, como seu eu pudesse ter controle sobre isso. Por sorte, o neném estava tranquilo e deu tudo certo. Enfim, continuei mentindo e, como uma benção do universo, quando a última médica entrou no quarto para avaliar a amamentação, o O. pegou meu peito esquerdo como nunca tinha feito antes e mamou na frente dela (como quem diz, “vou te ajudar a tirar a gente daqui, mamãe”). Tivemos alta em 48 horas e só quem testemunhou sabe o quando chorei ao entrar em casa com meu filho nos braços.
PS.: Hoje, o peito esquerdo é o preferido do O. E, sim, eu fiz cocô logo que cheguei em casa!
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