Desde o primeiro momento em que soube que perdi o bebê, lembrei-me
da minha mãe e de tantas outras mulheres da minha vida – ou de fora dela – que passaram
por isso. Eu estava descobrindo, naquela hora, como era essa dura sensação,
que tantas vezes tentei imaginar enquanto estava grávida. Ela é
única. Só quem vive conhece. E foi assim que eu tentei encarar as coisas: eu e
meu marido estávamos entrando para o grupo de pessoas que passarão pela
vida tendo experimentado essa dor. Só isso. Depois, seremos tão felizes, bem
sucedidos em outras gestações e realizados quanto todos os outros papais do
mundo. Só nisso eu pensava.
Na recepção da clínica, diante
de todas aquelas barrigudinhas que aguardavam para ver seus bebês na tela da
ecografia, a espera pela impressão do laudo médico pareceu uma eternidade. Ficamos ali, em pé, esperando o documento. Eu
tentava segurar as lágrimas, para não impressionar aquelas mamães que tinham
seus bebês vivos dentro de si. Não queria despertar nelas qualquer agonia relacionada a
perdas. Eu já tinha me torturado o suficiente com aquilo. O laudo chegou e
descemos os quatro andares do prédio pela escada de emergência – tudo para
fugir de pessoas, elevadores ou qualquer outro lugar onde teríamos que
continuar disfarçando a tristeza. Só lá, na saída de emergência, nos abraçamos
e choramos.
Senti como se estivéssemos numa bolha escura. Ao redor, todos
ainda viviam felizes pela notícia do novo bebê e, dentro da bolha, só nós sabíamos que ele não viria
mais. Mas infelizmente era preciso acabar com a festa e avisar isso aos avós, titios e amigos que já o esperavam,
já “falavam” com ele, já enviavam presentes. Mas antes liguei para o obstetra e perguntei: por que não sangrei? por que o bebê tem tamanho de sete
semanas, se estou de dez? por que isso aconteceu? Ele me explicou tudo. Disse
que tive um aborto retido, por isso não sangrei. Que o neném parou de se
desenvolver, por isso a variação entre tempo e tamanho. Que isso pode acontecer
com qualquer gestante, a qualquer tempo, em qualquer idade.
Aí liguei para minha mãe, mesmo sendo 8h30 de sábado. “Mãe, meu
neném achou que esse mundo estava muito virado e não quis vir agora”. “Oi?” - ela não entendeu nada do que eu disse, por causa do choro. “É
mãe, ele não vem”. “O que foi filha?”. “Meu neném não vem, mãe!”. “Filha, você
perdeu o neném?”. Sim.
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