sexta-feira, 7 de março de 2014

Normal ou cesariano: a pressão social sobre o tipo de parto

Esse é um post difícil, que levei tempo para conseguir escrever e ainda assim tenho muitas dúvidas sobre ele. Mas resolvi realizá-lo até como forma de reflexão. Não tenho uma opinião fechada sobre o tema e nem creio em verdades absolutas, mas há muito tempo sinto vontade de falar sobre isso. Então, vamos lá... Quando engravidamos, há um conjunto de perguntas que nunca paramos de responder: "Tá passando bem? Já sabe o sexo? Já tem nome? Pra quando é? Você vai querer fazer parto normal ou cesariana?". A maioria dessas perguntas, feitas muitas vezes só para puxar assunto ou por educação, geram respostas que as pessoas esquecem dali cinco minutos. Menos essa última, "Você vai querer fazer parto normal ou cesariana?". Ela geralmente vem carregada de um juízo de valor. No começo eu achava que era impressão minha, mas trocando ideia com outras pessoas percebi que mais gente sente assim.

Tenho a sensação de que existe uma grande pressão sobre a gestante em relação ao tipo de parto que ela vai fazer, especialmente se for parto cirúrgico. Já vi mulheres serem fitadas como se fossem um bicho do mal, ou mães piores, porque optaram pela cesariana. Exceto entre os médicos, que me parecem se dividir na preferência pelo parto cirúrgico ou natural, há um certo consenso social de que o parto normal é o mais indicado tanto para a mãe (que se recupera melhor e com mais rapidez) quanto para o bebê (que cumpre total e naturalmente seu ciclo de gestação). Uma simples busca na internet traz inúmeras vantagens desse tipo de parto e eu, pessoalmente, acredito na maioria delas.

Por outro lado, há uma preferência de boa parte dos médicos brasileiros em realizar cirurgias cesarianas, sob todo tipo de argumento: é mais rápida, mas vantajosa economicamente, com riscos mais controlados, indolor, com melhor oxigenação, entre outros. Do outro lado, estão aqueles que afirmam que a cesariana é antinatural, extremamente invasiva, violenta e desrespeitosa para a mulher (que, anestesiada e imobilizada, passa a ser coadjuvante no parto, e não protagonista). Há ainda as críticas de que médicos, enfermeiros e ambientes hospitalares têm procedimentos padronizados e inadequados para o parto natural, pois esse deve ser personalizado, carinhoso, ter seu tempo respeitado e tudo mais. Os defensores do parto normal estão convictos de que as equipes que atendem nos hospitais não sabem fazer o procedimento de forma adequada - tratam a mulher com frieza, a pressionam com agressividade para fazer força e sempre querem acelerar o trabalho de parto, não respeitando seu tempo. Por isso muitas pessoas hoje optam por fazer o parto normal fora do hospital - muitas vezes em casa - e com o acompanhamento de doulas e parteiras.

Enfim, não pretendo aqui defender as vantagens e desvantagens de cada tipo de parto - há dados de sobra sobre isso por aí. Quero, sim, chamar atenção para um discurso que vai além das informações sobre os benefícios e malefícios de cada um. Isso porque muita gente trata desse assunto rotulando os tipos de parto e quem passa por eles. Cansei de ouvir que o parto normal é mais nobre, mais corajoso, mais digno. Mas também já ouvi que quem opta por ele - especialmente fora de ambiente hospitalar - é irresponsável, modista, "bicho-grilo", xiita.

Conheço muitas pessoas que defendem os direitos da mulher sobre o seu próprio corpo, especialmente o direito de decidirem sobre levar uma gravidez adiante ou não. Criticam a criminalização do aborto e a ausência de assistência médica e hospitalar fornecida pelo poder público para interrupção segura da gravidez, o que leva milhares de mulheres à morte. Por outro lado, não raro essas mesmas pessoas são as primeiras a "criminalizar" a cirurgia cesariana e quem "se sujeita" a ela, por ser antinatural, violenta e promovida por médicos "preguiçosos e mercenários". Independentemente da minha posição sobre a descriminalização do aborto ou os tipos de parto, quando ouço esse pessoal fico com a dúvida: médico, anestesia e hospital para realizar abortos seriam bem-vindos e um respeito ao direito das mulheres, mas médico, anestesia e hospital para partos cesarianos são maléficos, invasivos e violentos para as mulheres? Não faz sentido... Quem luta para que as mulheres não sintam culpa ao abortar não deveria lutar para que as mulheres não sintam culpa por preferir esse ou aquele tipo de parto?

Eu, particularmente, sou atendida por um médico "cesarianista", em quem confio muito. Ele conhece meu histórico, tratou o meu aborto retido, realizou a minha curetagem e, em partes, é graças também a ele (e a infraestrutura hospitalar que ele utiliza) que estou bem e grávida agora. Mas ao longo desses meses todos de gestação já chorei muito e me senti culpada por não ter iniciado um acompanhamento com outro médico, que faça parto normal. Por muito tempo me senti covarde pois, entre fazer uma cirurgia com meu GO de confiança ou tentar o parto normal com um que mal conheço, cedi à zona de conforto e me agarrei ao meu médico. O principal argumento que me vinha à cabeça era: e se na hora H o parto normal não for possível e eu acabar no centro cirúrgico de qualquer jeito, só que sem o obstetra em quem confio? Devo me sentir culpada por querer me sentir segura?

Eu não tenho medo da dor do parto normal, mas sei de mulheres que têm pânico dela. E aí eu me pergunto: o que é mais desrespeitoso, pressionar uma mulher que no fundo está apavorada pela dor a tentar o parto normal, ou respeitar sua decisão de ir para o centro cirúrgico sem culpa por se sentir melhor e mais tranquila assim? Qual é a maior violência praticada, a de ser anestesiada, imobilizada e cortada porque você - ou o médico em quem você confia - acredita que seu bebê nascerá com mais segurança dessa forma, ou a de receber olhares e opiniões condenatórios que te fazem sentir covarde e uma péssima mãe por não tentar o parto normal? Quem, por exemplo, pretende ganhar seu neném dentro de um hospital, não pode preferir a cesariana já que médicos e enfermeiros são mais preparados - e menos violentos - para fazer cirurgias do que fazer partos normais? É justo julgar a gestante, que não é causadora desse contexto e sim "refém" dele?

Outra coisa que pesa nessa hora, para quem pretende parir na rede particular e com o médico escolhido, é o fator financeiro. Muitos planos de saúde não cobrem o parto normal - por ser mais demorado -, a não ser que você o faça com o plantonista. Fora do plano, salas humanizadas, equipe de apoio e honorários médicos podem custar dezenas de milhares de reais, sem contar as despesas hospitalares, como internação, medicamentos necessários e tudo mais. Conheço pelo menos três mamães que gastaram esse dinheirão todo para fazer o parto normal humanizado e no fim acabaram precisando de cesariana. E se eu não tiver essa grana? E se eu tiver, mas não quiser gastá-la assim?

Para relaxar de toda essa pressão, o primeiro ponto a pensar é: nem sempre o tipo de parto a ser feito é uma escolha da mãe, pois há todo um contexto clínico por trás desse procedimento. Não se trata de uma compra de prateleira! Vejam: cá estou eu, na 33a. semana de gravidez, com o bebê pélvico - sem pinta de que vai virar - e com a placenta se dividindo em duas, o que torna o parto normal contraindicado pelos médicos. E já me convenci de que não serei menos mãe do que ninguém se eu não tentar o parto normal. Aos poucos, na minha cabeça, estou conseguindo dar mais espaço ao meu instinto do que à opinião dos outros e, assim, me sentir menos confusa em relação ao assunto.

Por fim, creio que, mesmo quando o procedimento é uma escolha da mulher e não resultado de um cenário clínico, ele deve ser totalmente respeitado. Esses dias ouvi uma grávida dizendo que gostaria que o bebê dela ficasse sentado, só para ter uma desculpa para não tentar o parto normal. Ela nitidamente estava envergonhada por preferir fazer a cesariana e eu achei muito triste que alguém (ou "alguéns") tenha feito ela se sentir assim. Acho que sou a favor é do parto sem culpa e do respeito à individualidade das pessoas. A melhor forma de cada bebê nascer, na minha opinião, deve ser uma conversa entre sua mamãe, seu papai e a pessoa que acompanha a gravidez (seja médico, doula, parteira). Por isso, hoje penso mil vezes antes de perguntar a uma grávida qual tipo de parto ela quer fazer...

#32semanas

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